Caro Professor


Este blog nasceu após muitas conversas com os colegas professores, no cotidiano das escolas, nas salas dos professores, nos corredores, nos cafezinhos, como também em muitas reuniões.
Fomos descobrindo que a Ideologia, identificada com o neoliberalismo, tornara-se nossa maior inimiga, muito mais até que o próprio Sistema e do governo que o mantém.
Descobrimos que a luta concreta está no ter a consciência de toda influência ideológica no fazer a educação, na atuação dentro da sala de aula, no discurso pedagógico do professor. E que a fala e o agir dos dirigentes governamentais têm se prestado para a manutenção do espírito capitalista na educação.
Longe de nós o fanatismo esquerdista. O problema é que a culpa da educação andar capenga fica somente nas costas do professor. As Secretarias de Educação têm um discurso confuso que utiliza linguagem da esquerda para manter posicionamentos de direita, deixando a impressão que deram toda contribuição e subsídios para que a educação seja transformadora dessa sociedade consumista e do lucro, onde o ser humano vale menos que o capital. Daí este blog que ora apresentamos para sua apreciação e principalmente para sua opinião e debate.

Última atualização em 07 de agosto de 2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A trajetória evolutiva imposta ao docente pelo Sistema
Salatiel dos Santos Hergesel
Mariano Marchitiello
Um professor do ensino médio da rede estadual nos narrou o seguinte fato. No início deste ano em uma das primeiras HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) de uma escola da rede estadual de ensino, a diretora da escola presidia essa reunião e entre os pontos de pauta estava a eleição para o professor representante do sindicato (APEOESP) naquela unidade escolar. A pedido da própria diretora, uma professora se apresentou como candidata, da qual ele nada podia dizer sobre sua atuação sindical na escola, pois era a primeira vez que a estava vendo. O outro candidato era um professor. Esse ele conhecia, pois nos últimos três anos ocupou essa função sindical na escola e foi um dos responsáveis pela paralisação dos professores durante a greve que ocorreu em 2010 na rede pública estadual de ensino.
Apresentado os dois candidatos, a escola comportava somente um representante sindical, ocorreu à eleição da forma mais simples e transparente possível. Primeiramente os eleitores da professora se manifestaram levantando o braço e da mesma forma, em seguida, os eleitores do professor. Ao final do processo eleitoral, a professora ganhou a eleição por dezenove votos contra quatro.
O professor ficou surpreso não com o resultado, mas com o número de eleitores, ou seja, com exceção da diretora, que diz ser do sindicato dos diretores – UDEMO, todos os professores que estavam no HTPC votaram neste ou naquele candidato. Então, pediu a palavra e explicou que um dos critérios para eleger um representante sindical é ser sócio do sindicato, parece óbvio, mas não é tanto assim. Perguntou aos colegas quem era sócio da APEOESP e apenas onze dos vinte e três eleitores levantaram o braço. A sua maior surpresa foi que a professora, candidata “eleita” não levantou o braço para se identificar como sócia, então dirigindo-se a ela perguntou: “Você não é sócia do sindicato?”. Ela respondeu: Já fui! Nos últimos anos não sou mais!...
O final da história não é preciso contar.
Disse-nos ainda que após o término do HTPC, um dos quatro que votou no professor, o procurou durante o café e desabafou seu descontentamento fazendo uma alusão ao Sistema Neoliberal que impera em nossa sociedade e interdita o exercício da cidadania e da vida digna à maioria das pessoas:
- “É... o que esperar dos nossos alunos, da sociedade, se o professor não sabe as regras para eleição sindical, pior ainda é a candidata a representante do sindicato não saber que precisava ser sócia? Como pode o professor chegar nesse grau de despolitização? O que será desses alunos?”
Esse questionamento do colega professor nos trouxe outras indagações: Quem disse que o professor é politizado? Ou melhor, quem disse que o professor é politizado em oposição à política que sucateia a educação pública, à política Neoliberal que subtrai a cada dia mais, o direito à vida? Afinal quem politiza o professor?
Quem politiza o professor?
Essa é uma pergunta impossível de ser respondida dentro do contexto do professor enquanto ser humano, um ser social, pertencente a grupos sociais dos mais variados os quais vão colaborando na sua formação intelectual, como família, igrejas, clubes esportivos, partidos políticos de direita ou esquerda, sindicatos, associações, jornais, revistas, programas de televisão, enfim queira ou não está exposto ao mundo do conhecimento pelas mais diversas formas de comunicação entre a espécie humana e ele vai se moldando nessas interconexões de informações, dogmas, vivências, crenças, mitos, verdades e mentiras.
Para refletirmos sobre a indignação do colega ante a despolitização do professor no processo eleitoral sindical da sua escola, vamos considerar a formação inicial e a continuada em serviço, enquanto inferência na formação política do professor.
Para atuar como professor – trabalhador da educação, por exigência da LDB – Lei de Diretrizes e Bases, esse profissional necessita de um diploma de nível superior na área das licenciaturas ou pedagogia, e em seguida de um emprego. Na posse do “canudo” nível superior de ensino e empregado, seja na rede publica estadual, municipal ou particular, o professor deverá receber durante sua carreira a formação continuada em serviço que é oferecida pelo gestor da rede escolar em que o professor atua. Em nosso caso, tanto em Sorocaba como no Estado de São Paulo, os cursos de formação continuada ficam sob a tutela das Secretarias da Educação em polpudas parcerias assinadas com empresários gestores de universidades, faculdades particulares, ONGs e Institutos que ideologicamente se conectam com o Neoliberalismo.
Logo, não é tão difícil de responder quem politiza o professor ou qual tipo de politização o professor possui. Embora, alguém possa dizer que num passado bastante recente viam-se grandes passeatas de professores em greve nas ruas centrais de São Paulo que poderiam configurar um ato de profissionais politizados contra os governos neoliberais. Porém, por ter vivenciado esses momentos, não acreditamos que tais passeatas traduziam a resistência a uma ideologia Neoliberal na Educação, acreditamos que foram manifestações muito mais motivadas por melhorias salariais e, portanto com interesses mais individuais que coletivos na sua grande maioria.

A Formação Política é o coração da luta e da resistência
A formação política do professor é o centro mantenedor do grande embate ideológico travado entre a filosofia neoliberal e a filosofia transformadora na sociedade atual. Do interior desta luta surgem docentes que, de forma consciente, irão provocar mudanças sociais significativas ou a manutenção do status quo, conforme sua opção política. Por isso o Sistema a quer sob sua total tutela, pois, essa luta é perigosa!
A formação política do professor é algo muito sério, sobretudo do professor das escolas públicas do ensino básico. E mais sério ainda se ele lecionar para as camadas sociais populares periféricas, pois são essas que precisam de uma educação problematizadora, politizada, ancorada nos conhecimentos universais, mas articulados ao seu contexto social e à esperança/ação que possibilitem mudanças sociais e econômicas.
Para isso, é fundamental um professor politizado em oposição ao Sistema que determina a imobilidade social de seus atores, possibilitando apenas algumas ascensões dentro da própria classe social para evitar o colapso de si mesmo.
O professor tem toda liberdade política de ser a favor ou contra a este ou aquele sistema político-econômico, porém, o que ele não pode é esconder sua preferência política de seus alunos, ou ser a favor ou contra a qualquer coisa simplesmente.
“Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê. Não posso ser professor a favor simplesmente do Homem ou da Humanidade, frase de uma vaguidade demasiado contrastante com a concretude da prática educativa...”(Paulo Freire).
E mais, “sendo a neutralidade impossível, também aquele que não toma partido, toma partido, isto é, toma o partido do mais forte, da dominação” (Moacir Gadotti).
A prática docente rotineiramente necessita de elementos fundamentais que são o conteúdo a ser ensinado, a metodologia adotada pelo professor para a cogniscência do conteúdo, sua postura diante dos conhecimentos prévios dos alunos e avaliação formativa preferencialmente. Esses elementos dependem exclusivamente da pessoa de cada professor por mais que o Sistema imponha suas regras, a conotação/ denotação política é do professor.
Dentro deste contexto da conotação política que o professor pode dar aos projetos neoliberais que chegam à sala de aula, não precisam seguir a lógica do sistema. Podem por ele (professor) serem administrados numa outra lógica ideológica. Ou seja, apesar do professor ter tido uma formação inicial e continuada com bases filosóficas para manutenção do atual Sistema sócio-político-econômico, há espaço ideológico em sala de aula, na escola, e na educação para investir por meio dos mesmos conteúdos programáticos impostos pelo Sistema, numa metodologia, numa avaliação e numa postura docente de contra-ideologia.
Veja por exemplo, pode-se dar uma aula de matemática a partir do jogo de futebol enquanto cultura popular que além de divertir e entreter pode ajudar a desenvolver a visão geométrica e ampliar essa visão para o uso ideológico que o Sistema faz deste esporte. Também é possível ensinar matemática a partir de uma música que cuja letra fale de comida e chegar na questão da fome que ainda assola nosso país e então aprender a ler, entender e fazer gráficos a partir de dados estatísticos da população e sua renda. Posso ensinar História a partir de um debate sobre o Estatuto da igualdade racial e do preconceito racial que hoje existe até em jogos de futebol internacionais e chegar nos africanos que os europeus trouxeram para o Brasil para serem escravos daí a origem do pouco valor social dado a essas pessoas da raça negra.
Posso ensinar Ciências conversando com a classe sobre gripes, resfriados dor de garganta, mostrar que o corpo “pega” essas doenças quando diminui a resistência física e que isto é provocado pela má alimentação, falta de saneamento básico no bairro onde a escola está e os alunos moram. São pequenos exemplos que mesmo obedecendo a “cartilha dos grandões” posso dar uma conotação política nas minhas aulas, sem perder o conteúdo a ensinar e criar consciência crítica nos alunos que mesmo crianças são cidadãos, quanto mais os adolescentes.
A nossa questão é, onde está disponível para o professor uma formação inicial ou continuada com esse enfoque? Ai está a gravidade da despolitização ou da politização hegemônica do professor: ela colabora para aprofundar a desigualdade social e o pior, ao fracasso da humanidade. Portanto, as diversidades de pensamentos políticos, econômicos e sociais na formação do professor contra a ideologia unilateral do Neoliberalismo não se fixa apenas pelo prazer de ser “do contra”, mas como uma necessidade para manutenção da vida e a preservação do planeta.
É inegável que a prática docente é uma prática política, Paulo Freire já dizia: para que “a prática docente não fosse uma prática política o mundo em que ela se desse não poderia ser humano”. Então, precisamos resistir à hegemonia do pensamento político na formação docente. Estamos vivendo na sociedade do conhecimento, temos que conhecer entre tantas outras coisas, os interesses políticos, filosóficos e ideológicos que estão por trás da formação inicial (universidades) e continuada (chefes dos executivos e secretarias da educação estaduais e municipais) que estruturam o pensamento/ação do professor em sala de aula.
Temos que repensar nossa aceitação dócil ao treinamento profissional que nos é dado atualmente pelos gestores da política educacional em nosso município, estado e federação, caso contrário, continuaremos erguendo os nossos braços nas eleições ratificando as posições das classes dominantes. Continuaremos lecionando conteúdos com posturas e metodologias burguesas e estaremos dando passos largos na trajetória evolutiva imposta pelo Sistema.
A classe dominante, Neoliberal, que pensa quase tudo por nós, não vai pensar na transformação social. Esta terá que ser pensada, falada, gritada a partir dos explorados, dos esfarrapados e para isso a consciência de que, quem pratica também pode e deve pensar o que pratica, é fundamental. Penso, logo pratico, e praticando repenso, e repensando pratico melhor as ações, que, feitas pelo bem comum, estarão colaborando na construção de uma sociedade capaz de resguardar a todos o direito pleno à cidadania. Havendo isto haverá o interrompimento da trajetória evolutiva do Sistema que quer nos levar de Homo sapiens à Homo otarius. Nisto o professor e a escola podem colaborar e resistir.
Salatiel S. Hergesel, mestre em educação é orientador pedagógico no ensino fundamental municipal e professor na rede estadual; Mariano Marchitiello, mestre em filosofia é professor do ensino médio estadual e professor universitário em cursos de licenciatura e pedagogia.

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